segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

POLÍTICA- O APARATCHIK* E O MILITANTE**





A primeira vista parece uma comparação simplória, porque extrema, porque limitada. Mas ela tem 
justo o intuito de refletir sobre um possível equilíbrio entre simbolismos extremos, arranjo que nos 
possibilita amalgamar a teoria e a práxis, combinação tão propalada no menu teórico marxista. 


Fico   perplexo   com   o   volume   de   teorias   bizantinas   que   emanam   a   cada   momento   posterior   ao 
primeiro   turno   para   dar   conta   de   posições   ideológicas   emaranhadas   por   táticas   e   estratégias 
políticas   que   muitas   vezes    se  assemelham      a  receitas   insossas   e  emboloradas     pelo   tempo, 
ineficazes para aguçar o paladar da nossa refeição diária: praticar política enquanto socialistas 
psolistas que somos. É uma tarefa pesada por esses dias. 


Em tempos em que vivemos uma forte maré conservadora varrendo o mundo, especialmente no 
Brasil dos últimos anos da era Lula, como explicar essa situação, tendo no comando do governo 
um partido que propalava profunda transformação, justiça e igualdade social? Junte-se a isso, o 
desconforto, maior ou menor, dependendo de cada qual, quanto à cumplicidade na construção e 
fortalecimento do PT ao longo da sua história, situação da qual somente a juventude (bem mais 
jovem)    que   aderiu   ao   PSOL    depois    do  seu   surgimento    ou   advinda    de  outros   partidos   de 
esquerda, escapa. 


Mea culpa, fundei e construí o PT ao longo de redondos dez anos – o bastante para me afastar 
dele aos dez anos de vida. Certo dia presenciei um diálogo inesquecível na sede municipal do 
partido em Porto Alegre, véspera do segundo turno Lula X Collor, novembro de 1989, portanto: 


“Fulano (mui companheiro): Que embaixada você reivindicará? 


Sicrano (mui companheiro): Paris, é claro, kkkkkkk (empinando o nariz) 


Outro sicrano (mui companheiro): Sou mais Londres, faz mais meu estilo. 


Outro sicrano (também mui companheiro): Quero ir para Buenos Aires, pois lá tem muita 
parrijada e lindas noitadas de tango.” 


Fecha a cortina. 


Embora      meio   ressabiado    com    o  diálogo   que   havia  escutado    vindo   desses    “altos  dirigentes 
partidários”, empenhei-me de corpo e alma na campanha Lulalá em 89, mas os sinais que eles 
despertaram na minha pobre alma, foram suficientes para confirmar que logo depois, o apego aos 
cargos   e   as   benesses   da   estrutura   burguesa,   seriam  fatais   para   atrair   um  sem    número   de 
espertos militantes às cadeiras comissionadas na Assembléia Legislativa, na Câmara Municipal e 
na Prefeitura de Porto Alegre. 


Os tais “espertos”, não por acaso seriam os aparatchiks partidários, porta-vozes carimbados das 
tendências internas e elocubradores de intermináveis textos teóricos distribuídos então a mano 
militari  entre   a  militância  na   forma   de  impressionantes      calhamaços     de   papel.  Parecia    uma 
competição de quanto maior, melhor. Poucos eram lidos, é claro, e, via de regra, muito menos 
entendidos   pela   grande   maioria,   aspecto   que   parecia  pouco   importar,   pois   eram   feitos   mesmo 
para impressionar o militante raso, aquele “de base”. Faziam o estilo “cabeça revolucionária” tão 
presente na época, prolixa em texto, pobre em práxis. 

A U D I Ê N C I A N Ã O É A N U Ê N C I A !

       
                                                                       


Florianópolis, fevereiro de 2010  
  


Há muito se fala sobre a forma como as Audiências P  blicas em geral são mal conduzidas, não geram ganhos qualitativos e perderam sua importância no debate. Depois da Constituição de 88, dispositivos garantem a livre opinião  e  a  transparência  na  condução  da  coisa  pública,  razões  maiores  para  a  existência  de  todas  as Audiências  Públicas. Acontece  que,  jamais  houve  um  dispositivo  legal  que estabelecesse  um  roteiro  básico obrigatório, que indicasse como deveria acontecer início, meio e fim desse importante momento da nossa vida  democrática depois dos anos de ditadura militar, época em que reunião de três pessoas era subversão.  
  


Praticamente  em  todas  as  áreas  da  gestão  pública  acontecem  Audiências,  e  assim  como  começaram  a proliferar, também começaram a evidenciar suas deficiências, mas acima de tudo, suas deformidades à luz de  
uma  padronização,  resultado  da  ausência  de  uma  mínima  normatização  formal.  Assim,  praticamente  cada órgão público de licenciamento ambiental, por exemplo, estabelece a “sua forma” de fazer suas APs, aplicando  
um  “regimento  interno”  gestado  normalmente  em  seus  departamentos  jurídicos.  O  método  deve  atender, porém, aos acordos políticos estabelecidos entre seus maiores dirigentes e as forças políticas e econômicas  
que os sustentam nos cargos. Em suma, os acordos políticos “estabelecem” as regras do jogo nas APs.  
  


É voz corrente nos movimentos sociais que as APs se transformaram, na maioria das vezes, em verdadeiros espetáculos teatrais, mera execução de uma obrigatoriedade legal que, na prática, não acarreta riscos aos  
agentes públicos e aos projetos envolvidos, pois inócuas são para operar possíveis alterações no curso dos processos de análise para os licenciamentos de toda ordem, assim como a formulação/implantação de políticas  
públicas nas diferentes esferas do Estado. Politicamente, apenas servem para legitimar a participação popular.  
  


Na grande maioria dos casos a divulgação é pífia e ineficiente – que, em geral, se resume a um edital afixado  em algum mural no órgão que a promove. Anúncios em rádios, chamadas em televisão, nem pensar. Também, em geral não há registros fidedignos que posteriormente possam ser utilizados pelos demais interessados no  assunto: promotores públicos, entidades, justiça, e os demais órgãos públicos envolvidos. Poucas resultam em “atas”,  e  quando  existem,  são  normalmente  mal  feitas,  genéricas  e,  na  maioria  dos  casos,  omissas  em  
questões importantes, cheias de erros – até mesmo factuais, inconclusivas, entre outras características que, somadas, conotam imenso descaso para com aquilo que deveria ser um momento importante na análise dos  
processos: a opinião do povo sobre o tema em pauta. “Povo” leia-se: instituições acadêmicas e especialistas; ONGs atuantes na área; apresentação de estudos já realizados sobre o tema; o morador local; etc...  
  


Mas um aspecto que mais chama atenção nas APs de forma geral, é que seus regimentos internos, quando existem, impedem uma manifestação efetiva e autêntica por parte da sociedade: impõe todo tipo de armadilha  
regimental  para  cercear  a  palavra  à  população,  privilegiando  os  empreendedores,  os  quais,  via  de  regra,dispõe de espaço quase ilimitado para expor seus “produtos”, ao passo que às pessoas da comunidade, é dado  
um tempo exíguo, normalmente tão restrito, que sequer conseguem estabelecer um debate condizente com esse nome. Proíbe-se, entre outras coisas, o repasse de tempo de intervenção de uma pessoa para outra, o que  limita  a  exposição  de  valiosos  argumentos;  estabelece-se  tempo  limitadíssimo  de  falação  às  pessoas; proíbe-se projeção de material ilustrativo em plena era digital; inventa-se uma pausa em meio aos trabalhos para esvaziar o plenário. As imposições estabelecidas por estes “regimentos internos” acabam deformando de  
tal forma o debate que, via de regra, as discussões em pauta acabam se limitando às superficialidades – a forma de restringir uma boa compreensão por parte do público participante. É a pantomima que reina.  
  


Urge que as APs, em todas as esferas, sejam regulamentadas à luz dos atuais direitos de cidadania, impondo uma regra geral aos órgãos e instituições públicas, pois, acima de tudo, é o interesse público que está em  
questão  e  deve  ser  privilegiado,  e  não  os  interesses  privados  envolvidos  em  suas  pautas.  Além  de  exigir  
adequada divulgação do evento, e prever a possibilidade, inclusive, de continuidade da AP em outro momento,  
caso ela não esgote o assunto. Também deveria exigir o registro fidedigno das opiniões e posições externadas,para que possam ser levadas em conta pelos agentes públicos em suas análises processuais, e eventualmente  
até mesmo acolher alguma conclusão gerada na “AUDIÊNCIA”, fator que resgataria seu verdadeiro sentido.  
  


O que não pode continuar é esse “verdadeiro circo”, um faz de conta – mera “ANUÊNCIA”, a que todos nós  
somos  submetidos  todos  os  dias:  APs  de  fachada  para  cumprimento  formal  da  exigência  legal;  manifesto  
privilégio aos empreendedores envolvidos nos projetos e solene desconsideração por tudo que as comunidades  
aportam  de  conhecimento  e  posições  amadurecidas  em  seus  próprios  foros  de  discussão  autônomos  do  
Estado.  Esta,  aliás,  condição  sine  qua  non  para  que  haja  verdadeira  democracia  participativa  –  permitir  a  
explicitação (e não a supressão) dos conflitos existentes e sua melhor solução em vista o interesse público  
envolvido. Por tudo isso, fica claro que “AUDIÊNCIA NÃO É ANUÊNCIA!”.